Rudá Ricci
Iniciamos fevereiro e já temos três anúncios públicos de criação de novos partidos. O mais citado e aguardado é o que teria em Aécio Neves e ACM Neto suas duas principais lideranças. No ano passado, durante o final do primeiro semestre e no final do ano Aécio já havia vazado para a imprensa que estaria pensando em criar um novo partido. Colocou o pé no freio após o agora senador Clésio Andrade se postar como oposição à Aécio em Minas Gerais e também vazar que deseja criar um partido. Entramos em fevereiro e o jornal O Tempo, historicamente próximo de Aécio Neves, publica matéria de primeira página retomando a pauta. A matéria citou a composição do partido articulado pelo ex-governador mineiro: dissidentes do PSDB, alguns nomes do PSB e do PV, fusão do PMN e PP, este último tendo como liderança Francisco Dorneles, tio de Aécio. ACM Neto, o aliado nordestino de Aécio, terá como responsabilidade atrair democratas.
Por seu turno, o novo partido aecista já ganhou seu rival partidário em seu Estado tendo como líder Clésio Andrade. O senador dilmista diz contar com o apoio de 20 deputados federais eleitos - alguns, inclusive, da oposição. Também afirma que já conseguiu pouco mais de 500 mil assinaturas em prol do novo partido. A maioria das pessoas procuradas inicialmente teria ligação com o setor de transportes, uma vez que Clésio é o presidente da Confederação Nacional dos Transportes (CNT) e tem grande influência sobre esse seguimento.
Finalmente, o terceiro partido anunciado é o mais inusitado: o Partido Militar Brasileiro, PMB. Seu idealizador é o capitão da Polícia Militar de Ourinhos (SP), Augusto Rosa. No último dia 29 de janeiro foi realizada a convenção nacional do partido, que já tem estatuto aprovado e mais de 5 mil pré-filiados nos 27 Estados do Brasil. O próximo passo para oficialização é a publicação do Manifesto do partido no Diário Oficial, além da apresentação do requerimento ao Tribunal Superior Eleitoral e o registro no cartório de notas. O discurso do capitão é claro: “onde existe o caos, é o militar que dá jeito”, costuma dizer. Avisa que a ideologia do novo partido é de centro-direita, embora diga que abomina o período do regime militar. Em 2012, afirma, o partido apresentará candidatos em muitos municípios.
Os três anúncios carregam, implicitamente, a prova de um sistema partidário em frangalhos. O sistema partidário brasileiro é considerado, desde sempre, o mais frágil da América Latina. Christian Mirza, em seu livro publicado pela CLACSO, “Movimientos sociales y sistemas políticos em América Latina ” cita os autores Mainwaring e Scully para sugerir que Brasil e Equador apresentam os mais baixos níveis de institucionalização partidário da região. Os critérios adotados para analisar os sistemas partidários foram: a) a regularidade (votos regulares em cargos parlamentares em todos partidos de uma eleição para outra, ou seja, estabilidade do sistema); b) enraizamento social (vínculos dos partidos com cidadãos e interesses organizados) e; c) conexões com movimentos sociais (grau de cooptação, independência e conflito).
Sabemos que nossos partidos, em sua grande maioria, vivem uma relação de conflito e tensão (muitas vezes até mesmo de rejeição) com os movimentos sociais do país. Quando isto não ocorre, há uma forte partidarização das organizações populares, tendo no caso das centrais sindicais a sua expressão mais nítida. Assim, temos uma forte oscilação entre rejeição e cooptação. Também vivemos a cada eleição uma forte debandada de eleitores para candidatos de tipo outsider. O caso mais recente foi o de Tiririca, mas já tivemos outros muitos campeões de voto sem qualquer vínculo histórico com a prática política ou declaradamente opositores ao sistema partidário. Os casos mais graves e significativos foram os de Jânio Quadros, Fernando Collor e Enéas. Todos atuando como rastilhos de pólvora, com baixa esperança de vida. O eleitor continua transitando, buscando algo novo, entre o cinismo e a frustração.
Alguns analistas políticos brasileiros sugerem que se o PMDB sempre foi um partido de tipo americano, sem programa nítido, com forte enraizamento social e focado no marketing e imagem das lideranças regionais, o PT parecia uma novidade até os anos 1990, assumindo uma característica mais européia, vinculado aos movimentos sociais e centrais sindicais, mobilizador e inclinado ao estilo neocorporativista. Contudo, pouco a pouco, caminha para se aproximar do estilo peemedebista. Esta é a proposição de Carlos Nelson Coutinho.
Alguns outros autores sugerem que o PT, por ser o partido mais elogiado pelos brasileiros, assumiria um papel de âncora do sistema partidário. Segundo dados do DATAFOLHA, em dezembro de 2004, o partido teria a preferência de 24% dos eleitores brasileiros; em fevereiro de 2006 caiu, em função das denúncias envolvendo o mensalão, para 15%; em dezembro de 2009 retornou a 25%, permanecendo em 2010. O segundo partido mais preferido do brasileiro é o PMDB (com 7% da preferência) e o terceiro é o PSDB (com 5%). Metade dos eleitores brasileiros não indica nenhum partido como de sua preferência. Assim, temos um sistema partidário onde apenas metade se identifica com as agremiações e onde um partido aparece como predominante. Esta combinação é o que sugere, para alguns, que o PT se transformaria numa espécie de âncora do sistema, onde o restante dos partidos se posicionaria à sua direita ou esquerda, procurando capturar as motivações que o levam a ser top of mind. Uma tese interessante a ser comprovada, mas que reforça a noção de um sistema frágil, pouco estruturado e quase sem identidade.
Um sistema historicamente frágil ficou desfigurado com o advento do lulismo. Ao longo dos oito anos de gestão Lula a ofensiva da máquina estatal sobre os partidos foi intensa. A partir de 2006, com a crise aberta com a denúncia do mensalão, foi tomando corpo a coalizão presidencialista inusitada em nossa história republicana. Num estudo publicado pela Clacso (“Tipos de presidencialismo y coaliciones políticas em América Latina ”), Jorge Lanzaro sugere que existem dois tipos clássicos de presidencialismo: o sistema majoritário e o sistema pluralista. No primeiro caso, nos sistemas de maioria quem ganha governa. Já nos pluralistas, o que vence as eleições compartilha de alguma maneira seu triunfo e se vê obrigado a negociar os produtos do seu governo. Neste último caso, temos o que o autor denomina de “regime de intercâmbio, de transações e associações”. Pela configuração constitucional do Brasil, toda preparada para instalar o parlamentarismo que de fato não ocorreu, a lógica híbrida (presidencialismo com grande protagonismo e controle – em especial, orçamentário – do parlamento) a tendência seria caminharmos para o presidencialismo de tipo pluralista. Contudo, o lulismo sempre foi afeito ao centralismo administrativo o que transformou a coalizão de governo em algo extremamente peculiar. Com efeito, a coalizão lulista é circunscrita a um sistema excludente e fechado que solapa o sistema partidário, limitando-o a ser governista ou não-governista. No bloco governista criou-se uma clara hierarquia no processo decisório, tendo no topo o núcleo duro de gestão federal. Logo abaixo poucas lideranças partidárias da coalizão que conformam um conselho consultivo. Abaixo, os aliados se distribuem em ministérios e estatais, agências reguladoras e conselhos de gestão de estatais, que esboçam uma estrutura gerencial organizada em silos que nem sempre conectados entre si. Os partidos são desmontados como organizações apoiados em programas específicos. A oposição, por seu turno, perde gradativamente sua capacidade de alterar a pauta do parlamento, todo tomado pela maioria governista, limitando-se a lamentar e criar constrangimentos ao governo. Enfim, todo sistema reage ao governo e depende da sua movimentação.
Num cenário como este, o personalismo campeia e supera os partidos. A política formal é tomada por uma lista de personalidades, o que aproxima nosso sistema partidário à lógica dos partidos de notáveis do século XVIII. Daí nasce o desejo de criação de novos partidos a partir de personalidades e não de idéias ou projetos coletivos.
Esta é a senha para entendermos os próximos movimentos do jogo de xadrez da política nacional. O que inclui a reforma política. O cientista político Jairo Nicolau alerta para este perigo. Segundo o autor, se a minirreforma política desenhada pelo vice-presidente Michel Temer se efetivar, o PSDB e o DEM serão beneficiados. Na proposta de Temer, seria adotado no Brasil o voto majoritário na eleição da Câmara Federal. Neste caso, seria abandonado o coeficiente eleitoral, que soma a votação individual do candidato com a dos partidos e alianças eleitorais. Na simulação feita por Jairo Nicolau, o PSDB teria 23% mais cadeiras do que efetivamente obteve nas eleições passadas e o PMDB ampliaria em 13%. O DEM teria 16% mais parlamentares. O voto majoritário acaba com os puxadores de voto e o voto de legenda. Os grandes partidos – e aí o PT também se beneficia – diminuiriam os espaços dos nanicos. PT, PMDB e PSDB ganhariam 60 cadeiras. Nesta brecha, uma emenda de Francisco Dornelles (PP-RJ) sugere a transformação dos Estados em distritos eleitorais fechados, o que reforçaria de vez a personalização do nosso sistema partidário.
Enfim, percebe-se que 2011 começa com o signo do desespero partidário. As soluções até aqui apresentadas caminham para reforçar o personalismo. O que deve premiar muita gente. Menos o eleitor.
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